17.2.10

Direito à Cidade x Privilégio



Segundo a Constituição de 1988, no capítulo “Da Política Urbana” a propriedade deve cumprir com sua função social, isto é, não pode ser objeto de especulação, criação de lucro. Mas na prática é o que ocorre. Há décadas, a esquerda brasileira faz uma luta nessa dimensão para a democratização do acesso à cidade, regularização das áreas ilegais (onde a maioria dos pobres moram). Esta luta avançou tanto que no ano de 2000 alcançou uma grande vitória, colocou uma emenda constitucional, garantindo que o direito a moradia seja considerado enquanto direito social (capítulo V). Além disso, no ano seguinte, emplacou a lei 10.257/2001 conhecido como Estatuto das Cidades. Esta lei regulamentou diversos instrumentos que garantem uma cidade democrática, aberta para todos, independente da sua classe social. Prevê também o papel do poder público, no caso as prefeituras, desenhou em linhas gerais o papel a ser desempenhado pelos planos diretores.

Enfim, há décadas há uma disputa em torno dos rumos do direito à cidade. Mas afinal de contas, o que estamos considerarando como direito a cidade?. Antes de responder a esta pergunta, é importante situarmos os interesses e atores envolvidos no tema da política urbana. De um lado há a lógica de apropriação privada das imobiliárias, das empreiteiras e construtoras, que vê no espaço urbano a oportunidade de lucro fácil e garantido. Estes agentes privados valorizam os centros urbanos, dotados de melhor infra-estrutura pública. Sendo assim, quem pode permanecer e morar nessas regiões são as classes médias e altas. No outro lado da disputa estão concentradas as classes populares, que são vítimas desse modelo excludente. Os pobres, por não terem renda para suportar a especulação imobiliária das regiões centrais, com melhor infra-estrutura pública, são expulsos para as regiões periféricas.

O direito à cidade, previsto pelo Estatuto das Cidades, tenta minimizar a lógica perversa da especulação imobiliária, impondo limites a acumulação a partir da propriedade territorial urbana. O direito à cidade passa a ser uma bandeira do Movimento de Moradia como uma forma de garantir que os pobres usufruam de todo os equipamentos públicos. Sendo assim, morar nas regiões centrais passa a ser uma forma de garantir tal direito.

A luta do Movimento de Moradia passa ser a reforma urbana, isto é, que as políticas habitacionais sejam também implementadas no centro. Mas, algum leitor arquiteto ou engenheiro pode argumentar “-Ah, mas o terreno na periferia é mais barato, fica mais barato para o Poder Público construir nessas regiões do que nas regiões centrais”. Pura falácia, construindo habitação popular na periferia, o Poder Público tem que levar toda uma rede de infra-estrutura pública (água, luz, escola, creche, posto de saúde, asfalto etc.) No final das contas, o modelo adotado fica mais caro. É uma conta simples, mas de interesses complexos. A lógica que prevalece é a periferia para os pobres, enquanto o centro é para a especulação imobiliária da classe média e alta.

A história da urbanização da grande São Paulo é marcada por este modelo excludente. O professor Nabil Bonduki (professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-USP) em suas falas sobre direito à cidade sempre expõe o exemplo da pior política habitacional das últimas décadas: a COHAB em Itaquera e o seu semelhante CDHU na Cidade Tiradentes. São bairros dormitórios, com pouquíssimas opções de lazer ou espaços para esportes. Essas são políticas habitacionais segregadoras, na qual o pobre está condenado a ficarem horas dentro do transporte coletivo para chegarem a seus empregos cujas ofertas estão nas regiões centrais da cidade.

Não há em Guarulhos um debate consistente sobre reforma urbana, modelo de cidade e desenvolvimento sustentado. A lógica do capitalismo gera apropriação do espaço urbano pela elite, os pobres são cada vez mais segregados, através da especulação imobiliária. Até aí nenhuma novidade, o problema é quando uma prefeitura petista legitima isso através de políticas públicas. Serão construídas centenas de unidades habitacionais na região do Pimentas para a população com renda até 3 salários mínimos, através do programa “Minha Casa Minha Vida”, sendo que já foram construídos dezenas de prédios para este programa na mesma região citada.

No Pimentas devido a falta de infra-estrutura, as ruas e avenidas principais estão saturadas e todos os dias no momento de saída e chegada do trabalho o morador fica muito tempo parado no trânsito. O que esperamos de um governo petista é que não reproduza os mesmos erros (ou opções políticas) de governos de direita, cuja preocupação é esconder o pobre dos olhos dos ricos que moram no centro. O centro é valorizado porque teve dinheiro público (do povo) investido em infra-estrutura, não é correto só uma camada de a sociedade usufruir deste investimento.

Este ano haverá a revisão do Plano Diretor de Guarulhos, será um momento de disputa política em torno da funcionalidade dos territórios (bairros) através dos zoneamentos. Ao legislativo cabe um importante papel, de ser o espaço dos debates públicos (Audiências Públicas) e discussão política. Cabe aos mandatos populares e de esquerda, pautar os interesses das classes de baixa renda, das diretrizes da reforma urbana. Porém, temos ciência que a correlação de força política é muito complicada, o mercado imobiliário entra com força (e outras ferramentas) para passar o que querem. Por isso, a confluência dos setores progressistas da cidade é de extrema importância. Em um próximo post iremos discutir os limites e possibilidades do Plano Diretor enquanto instrumento de democratização da cidade.

(Heber Rocha e Lígia De Locco)

Um comentário:

  1. Acho que a revisão do Plano Diretor de Guarulhos não acontecerá tão cedo, infelizmente.

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